A DIVINA ARTE DE ENVELHECER CONSCIENTE
Às vezes fico pensando como é bom envelhecer bem! Sei que nem sempre é como gostaríamos que fosse, mas se essa benção chega, isso se torna um prêmio da vida. Apesar de ter os pés no chão, prefiro viver com essa ilusão e acreditar que um dia possa vir a acontecer. Prefiro pensar na parte boa desse meu tempo que um dia vai chegar.
Tenho como grande objetivo envelhecer bem, ser digna das minhas rugas, enfim, elas contarão minha história.
Sei que quando eu envelhecer, meus ossos ficarão fracos para sustentar o peso do meu corpo, sendo assim, tratarei de deixar minha cama o mais aconchegante possível, pra que eu possa repousar tranquilamente.
Quero um “criado mudo” ao lado direito com os meus remédios, e outro, ao lado esquerdo com o meu livro predileto, meu lápis (detesto caneta) e um caderninho de anotações, pois, meus pensamentos são filhos, preciso anotar todos.
Quero um lugarzinho para o controle remoto da minha televisão.
Quero no canto desse quarto, uma mesinha redonda e pequena, para que eu possa colocar uma bandeja linda, com água, meu café, chá, meu pote de bolachas, e claro, um açucareiro, não gosto de adoçantes, e mel e café não combinam muito.
Quero um tapete do lado direito e outro do lado esquerdo, para que eu não corra o risco de contrair um resfriado, resultando numa pneumonia, essas doenças seriam ameaças para o meu sonho de envelhecer bem, prefiro não correr riscos.
Quero uma televisão exclusiva. Não quero ser incomodada e nem incomodar. Sei que nesse tempo minha audição estaria debilitada, ou melhor, a poluição sonora de toda uma vida já teria alcançado meus ouvidos. Vou querer silêncio pra que eu possa escutar sem fazer esforços, e claro, não vou querer incomodar os outros com as minhas perguntas em não entender direito o que se passa na TV como “O que aconteceu?” ou o típico “Ahã?”.
Quero um caderninho exclusivo para que eu possa marcar quantas vezes contei a mesma história a determinado amigo, ultrapassando a segunda vez, mudo o meu repertório.
Quero meias e pijamas de algodão, pois, sempre senti muito frio nos pés, e se sinto agora com 32 anos, imaginem daqui a mais 30?
Não quero ser pegajosa com meu filho, quero deixá-lo livre para levantar vôo. Tento me conscientizar desde já que, não o criei para mim, e sim, para ser pássaro livre. Ele vai precisar voar, e eu não quero ser tempestade nessa rasante linda e cheia de descobertas. Ele vai precisar perceber o mundo sozinho.
Quero liberdade para escolher não fazer nada. Essa história de que velho precisa trabalhar para ocupar a mente é papo furado. Ele já fez a parte dele no mundo..
Quero jogar meus despertadores fora e dormir sem horário para acordar. Horário certo, prefiro deixar apenas para os meus companheiros inseparáveis, os remédios.
Quero apenas um médico, de preferência um geriatra, médico perito em velhinhos, e claro, outros especialistas se for necessário. Mania de doença não cabe em mim.
Quero um chuveiro quente, onde eu possa ficar quanto tempo quiser, sem que alguém tenha que ficar esmurrando a porta, mas pretendo deixar a porta entreaberta, por que sei que a minha destreza não estaria lá grande coisa e poderia escorrer
Quero fazer as unhas, arrumar os cabelos, me maquiar e ficar cheirosa. Tem coisa mais linda que uma velhinha pomposa?
Quero um chapéu lindo, com abas largas, cores suaves, flores salpicadas, para que eu possa me proteger do sol sentada na minha tão sonhada cadeira de balanço.
Quero viver cada instante. Não quero fazer planos, até porque, planos, objetivos e metas, seriam palavras contrárias ao meu tempo.
Quero ser respeitada, não quero ser paparicada jamais.
Quero acordar todas as manhãs, e de frente para o sol, me espreguiçar e sentir que estou viva.
Não sei se vou querer ler, mas quero continuar escrevendo e mesmo depois de tanto querer, vou criar mil motivos para continuar vivendo, ou talvez, depois de mais algum tempo, doente ou saudável, vou querer dar meu último suspiro como uma lady, e morrer lindamente na simplicidade e aconchego do meu leito.
Existe final mais feliz? Aliás, esse seria um novo recomeço.
Autora: Vanessa Pena